quinta-feira, 31 de maio de 2012

Memória de elefante - António Lobo Antunes

Tudo o que é bom deve ser saboreado. É esta a minha relação com a obra de António Lobo Antunes, algo que quero ir degustando a pouco e pouco.

Desta vez optei por ir onde tudo começou, ler o primeiro romance do autor. À partida pensei encontrar neste livro um estilo de escrita muito diferente do utilizado nos seus romances mais recentes. Apesar de uma outra nuance em que de facto se nota diferença, não encontrei nada de muito significativo. Na minha opinião, a capacidade de nos fazer sonhar em cada metáfora e de nos permitir viajar entre cada frase estava já bem patente neste livro.

Embora eu não seja um conhecedor profundo da biografia do autor, facilmente percebi, logo nas primeiras páginas, que as semelhanças com a realidade não eram meras coincidências.

Tudo se passa num dia da vida de um médico, um psiquiatra, que se mostra na primeira ou na terceira pessoa. Este psiquiatra vive desiludido com uma angústia que o perturba e restringe. Trabalha, às vezes sem paciência, no mesmo Hospital Miguel Bombarda em que o pai trabalhou e o seu irmão João. Satiriza o sistema de saúde sem se esquecer das meninas da segurança social ou dos delegados de propaganda médica, mas é de si que tem vergonha.

É divorciado e a separação da mulher, como qualquer separação, deixou marcas profundas. As filhas. Um homem afectado por ter participado na guerra em África (não esquecer que este livro foi escrito pouco depois do 25 de Abril), não só por ter ido para guerra, mas também por ter sido obrigado a deixar a mulher para trás, as suas filhas, o seu emprego, a sua vida.

O casino. A sua vida parece-se com um jogo em que se anseia um prémio. Uma caminhada pelas ruas da Lisboa de que fala com carinho, em busca de um refúgio ou de coragem para pegar no telefone e tentar remediar o passado. Mas assumir sentimentos perante os outros não é tarefa fácil. Todos estes pensamentos a borbulhar na cabeça de um homem durante um tão curto espaço de tempo, só mesmo para quem tem Memória de Elefante.

Para mim, a escrita de António Lobo Antunes é pura magia. Assim, não resisto a partilhar duas passagens para deixar um pouco de água na boca a quem tem receio de avançar para este autor:

"e vieram-lhe à memória longas noites na praia desfeita dos lençóis"
"a forma como o corpo dela se abriu em concha para o receber, vibrando tal as folhas do cume dos pinheiros agitados por um vento invisível e tranquilo"

Sublime, não é?
Superior é também a forma subtil e inteligente que o autor tem de nos fazer arrancar um sorriso dos lábios, ainda que a intenção fosse chocar. Que o diga o slogan da Funerária Martelo: Para Que Teima Vossa Excelência Em Viver Se Por Quinhentos Escudos Pode Ter Um Lindo Funeral?

Penso que este poderá ser um excelente livro para quem queira começar a entrar no mundo deste Mestre da literatura nacional contemporânea. 

Termino este pequeno texto com uma expressão muito utilizada por um ilustre são tomense que outrora tive o prazer de conhecer, e que tão bem traduz o que sinto pela obra de Lobo Antunes: Lindo, lindo, lindo.
Quanto mais a conheço, mais me sinto cativado por ela.

Págs. 156
Ref. ISBN: 978-972-202-708-3
Editora: Publicações Dom Quixote

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Vieram como andorinhas - William Maxwell

De vez em quando sabe-me bem chegar à estante de livros e escolher um livro do qual pouco ou nada sei. Apenas porque me apetece!
Vieram como andorinhas foi um desses casos. Já tinha ouvido falar de William Maxwell uma vez ou outra, mas nunca de nenhuma obra em concreto, nem tão pouco de qual o seu género literário.

Nesta obra, Maxwell revela-se um autor de afectos. No seio de uma família burguesa americana, no rescaldo da primeira guerra mundial, o autor transporta-nos para os para os problemas do dia a dia da família Morison, numa fase particularmente difícil em que os americanos se deparam com o flagelo da gripe espanhola que matou milhões de pessoas.

Dividido em três partes, Maxwell começa por colocar o leitor sob os olhos de Bunny, o filho mais novos dos Morison. Bunny é uma criança com oito anos que facilmente se deixa encantar por qualquer objecto desde que esteja na companhia da sua mãe. O amor que tem por ela é interminável e isso faz com que esteja sempre ávido de carinho e atenção.
O irmão mais velho de Bunny, Robert, é o narrador da segunda parte do livro. Robert é um jovem pré-adolescente, vítima de uma infância que lhe deixou marcas profundas pois sofreu um acidente em que ficou com uma perna amputada.
A terceira e última parte da obra é apresentada pelo pai, James Morison.

A mudança de perspectiva que os diversos narradores nos proporciona, faculta uma melhor percepção sobre os pontos de vista de cada uma delas. Aos olhos de Bunny, Robert aparece como um irmão mais velho intolerante, prepotente e com pouco tempo para brincar consigo. Quando passamos para o ponto de vista de Robert percebemos que afinal as coisas não são bem assim e somos levados a compreender os seus motivos e a sua personalidade. A simplicidade com que nos entrosamos com estas personagens sem que sejam feitas descrições exaustivas é talvez o ponto forte de Maxwell nesta obra.

A determinada altura, este livro permitiu-me também fazer uma pequena viagem ao passado quando o pequeno Bunny foi comprar 250gr de manteiga, que nessa altura se vendia avulso. Não que me lembre de ver a manteiga ser vendida assim, mas lembro-me perfeitamente do café, do grão de bico, do feijão frade, da marmelada, etc. Gosto quando os livros me permitem viajar sem sair do sofá e, de certa forma foi o que aconteceu. Terei feito companhia às andorinhas?

Págs. 128
Ref. ISBN: 978-972-0-07142-2
Editora: Sextante Editora

Resultados: Passatempo O circo dos sonhos


Terminou há alguns dias o Passatempo O circo dos sonhos.
Está agora na hora de conhecer o vencedor:

Jorge Augusto Carneiro - Paços de Ferreira

Parabéns!
Para além de publicados aqui, os resultados serão comunicados aos vencedores por email.
 

Caso algum dos vencedores não responda ao email de notificação no prazo de uma semana será seleccionado um outro vencedor.
 
Mais uma vez agradecemos o apoio da Civilização na realização deste passatempo.

Obrigado ainda a todos os participantes.