segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Madrugada Suja - Miguel Sousa Tavares

Não parti para este livro à espera de um romance do tipo de Equador ou de Rio das Flores. Na verdade, nem sei ao certo do que estava à espera. Mas quem leu estas duas obras não pode esperar que de Miguel Sousa Tavares saia um romance menor.

Não é na minha opinião correto fazer uma comparação entre esta obra e as duas que a antecedem. São estilos bem diferentes. Mas com tudo isso, Madrugada Suja, é um bom livro?

Madrugada Suja é um romance atual. Em 1988, em Évora, depois de uma festa de excessos, três estudantes saem com uma miúda de 16 anos para o Cromeleque dos Almendres e tudo termina em tragédia. Filipe, um dos jovens que estava naquela noite, acaba por ser a personagem principal desta trama.

Duro como o próprio autor, sem rodeios, Madrugada Suja é uma obra que nos leva ao Alentejo profundo de Medronhais da Serra, transportando-nos por temas como a reforma agrária, sobre o nosso povo, sobre nós. O ritmo da acção é alucinante e em cada capítulo somos brindados por uma narrador diferente.

Madrugada Suja é essencialmente uma lição de vida. Um passo mal dado, uma acção menos pensada pode comprometer de forma irreversível a nossa trajectória.

Se tivesse que apontar algum ponto menos bom, diria talvez o final, um pouco prevísivel. Ainda assim, considero um bom livro e que vale a pena ler.

Págs. 351
Ref. ISBN: 978-989-724-072-0
Editora: Clube do Autor


quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Novidades Dom Quixote: Philip Roth de regresso em Setembro

O Escritor Fantasma - Philip Roth


O Escritor Fantasma é o livro que assinala, na década
de 1950, o aparecimento de Nathan Zuckerman: um
romancista promissor, fascinado pelos Grandes
Livros, que descobre os apelos contraditórios da
literatura e da experiência durante uma noite que
passa na recôndita casa de campo do seu ídolo
literário, E. I. Lonoff. Aí conhece Amy Bellette,
uma jovem fascinante, de origem estrangeira
indefinida, que descobre ter sido aluna de Lonoff, e
talvez tenha sido também sua amante. Zuckerman,
com a sua imaginação jovem e irrequieta, pergunta a
si mesmo se aquela rapariga não será a vítima
paradigmática da perseguição nazi. Se fosse, talvez
pudesse transformar-lhe a vida...

Nas livrarias em 19 de Setembro

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Dentro do Segredo - José Luis Peixoto

Dizia o anúncio que investir em viagens é a única coisa em que gastamos dinheiro e ficamos mais ricos. Se por algum momento alguém duvidar desta frase, então convido a que viaje, senão fisicamente, que seja através desta obra de José Luís Peixoto.

Sou um apaixonado confesso de viagens. Sempre que a oportunidade surge, não a desperdiço, agarro-a com as duas mãos. Também sou um apaixonado por livros, quanto a isso penso que não restam dúvidas. Agora algo que nunca me suscitou grande curiosidade foi juntar estes dois mundos. A chamada literatura de viagens nunca me fez click! Talvez porque goste de vivenciar na primeira pessoa, sem sofrer grandes influencias.

Mas então, porque decidi ler este livro?

Bom, por um lado pesou o autor, perdoem-me a expressão mas José Luís Peixoto é TOP. Sem dúvida um dos melhores autores portugueses da actualidade, dono de uma escrita muito perfumada e descomplexada pela qual me apaixonei. Por outro lado a Coreia do Norte. Gosto de ler sobre o fruto proíbido, daquele que sei que a probabilidade de vir a provar é ínfima. Não menos importante foi a opinião de quem já tinha lido o livro e que não ficou indiferente, acabando por influenciar. Quem poderia dizer que não a um cocktail com estes ingredientes?

Dentro do Segredo é o relato de uma viagem realizada pelo autor, em 2012, à Coreia do Norte, claro está, aquando da comemoração do centenário do nascimento do antigo líder Kim Il-sun. Este diário de bordo mostra o seu encanto logo no início, quando em segredo José Luís Peixoto decide comprar esta viagem e se mantém na incerteza da sua realização praticamente até ao momento da partida.

Kim Il-sung 100th birthday Ultimate Mega Tour (Ultimate Option) foi a viagem mais extensa e longa que o governo norte-coreano autorizou nos últimos anos. Repleta de histórias ímpares, revela ser a prova de que tudo aquilo que poderia imaginar sobre esta nação, sobre a vida deste povo, pode afinal ser bem pior.

Para um ocidental fazer uma viagem de 15 dias num país onde o telemóvel fica retido na fronteira, onde poucas fotografias são permitidas e onde fazer chamadas internacionais pode ser considerado um luxo extravagante, é na minha opinião por si só um acto de coragem.
Na primeira reunião, os guias incentivam a que não sejam feitas perguntas desconfortáveis. Conseguiria eu? Mesmo na Coreia do Norte? Evidente que sim, mas lá que ia custar... Como fechar os olhos a uma encenação permanente, claramente orientada para vender a este pequeno grupo a ideia de uma Coreia do Norte que, daquela forma, não existe?

Um livro fantástico que me fez despertar ainda mais para este país. Como se não bastasse diariamente ouvir Trump com as suas loucuras. 

Nota final: Este livro pode provocar uma vontade insaciável de pesquisar vídeos no youtube levando a visualizações sem fim sobre o tema.

Págs. 236
Ref. ISBN: 978-989-722-060-9
Editora: Quetzal

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Nem todas as baleias voam - Afonso Cruz

"Ainda queres ser cardiologista? Quero, disse ele. Queria consertar corações, como um dia ouvira o pai dizer. Ou, como havia sugerido Tsilia, oftalmologista, que não é uma má profissão, serve para corrigir a diferença entre o que vemos com os olhos abertos e o que vemos com os olhos fechados, e entre uma e outra coisa há uma doença inexplicável que é a realidade. Temos de acabar com isso."

Não poderia arranjar melhor forma para começar a falar sobre este livro. A escrita de Afonso Cruz é uma poesia em forma de prosa, é uma escrita perfumada que transborda harmonia.
Este é a primeira obra que leio do autor, mas é suficiente para perceber o poder da sua escrita. Um escritor de mão cheia, uma escrita cheia de conteúdo fazendo lembrar uma catedral bastante trabalhada em que cada vez que a observamos verificamos um novo detalhe.

Nem todas as baleias voam! Mas, porquê? Há algumas baleias que voam?! Esta foi a questão que me coloquei antes de avançar para este livro.

Jazz Ambassadors é o nome de um plano levado a cabo pela CIA, durante a Guerra Fria, com o objectivo de através da música cativar os jovens de Leste para a causa americana. A ideia consistia em pegar nos nomes conceituados do Jazz (Louis Armstrong, Dizzy Gillespie, Benny Goodman e Duke Ellington) transformado-os em embaixadores dos Estados Unidos na União Soviética. A escolha do Jazz não era inocente, normalmente associado aos negros, era a ferramenta perfeita para mostrar publicamente que nos E.U.A. não havia tensões nem diferenças raciais.

Será possível vencer uma guerra só com música?

Nunca tinha ouvido falar deste programa, mas tiro o chapéu a quem pensou nesta ideia e a quem a transformou em romance. Mas, Nem todas as baleias voam é muito mais do que o plano Jazz Ambassadors. Erik Gould é um compositor famoso àquela época, um compositor com música a brotar por cada poro da sua pele. Como se não bastasse, sofre de sinestesia, vê música em tudo e através da música consegue dizer tudo o que quiser. Vive atormentado pelo desaparecimento injustificado da sua maior fonte de inspiração, a sua mulher Natasha Zimina. Vive com o filho, Tristan, que também sofre de sinestesia, não consegue verbalizar as suas emoções, transformando-as em diversos tipos de visões.

A imaginação parece não ter fim... no entanto, o homem do chapéu cinzento recorre as pessoas que mantém fechadas numa cave, em cativeiro, para usurpar as suas ideias e com elas escrever um livro.

Nem todas as baleias voam é a celebração da arte de bem escrever. 

Quem me dera poder sofrer de sinestesia. 

Termino como comecei, com mais uma manifestação de arte:

"Dresner baixou-se, levantou um pouco a perna direita, pousou o pé lentamente e, quando tocou o chão com a sola do sapato, recolheu a perna, quase como um reflexo e com um esgar de dor.- Vês?- Não há pomadas?- Dizem que o tempo cura.- O tempo é uma pomada?- Uma espécie de pomada.- Não tem funcionado, pois não?- Não. É que também vamos criando afecto pela dor, ela diz-nos que estamos vivos, está sempre ali, presente, e essa fidelidade é importante, como se fosse um amigo.- Ou Deus.- Ou um cão."

Já agora, Se soubesses que a tua morte se aproxima, o que colocarias dentro de uma caixa de sapatos?

Págs. 276
Ref. ISBN: 978-989-9665-127-5
Editora: Companhia das Letras

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Cinco Esquinas - Mario Vargas Llosa

Lima, Peru. Vivem-se tempos de recolher obrigatório, tempos do regime ditatorial de Fujimori. Enrique Cadenas, um reputado engenheiro relacionado com a exploração de minas vê-se envolvido numa chantagem levada a cabo por Rolando Garro, diretor do tablóide sensacionalista Destapes, que ameaça trazer público uma orgia em que o engenheiro esteve envolvido.

Marisa e Chabela, a mulher do engenheiro Cadenas e a mulher do seu advogado, respectivamente, num dia em que a conversa se alongou, vêem-se impossibilitadas de regressar a casa, pelo recolher obrigatório, e acabam por dormir juntas descobrindo algo que não mais esqueceram.

De repente, há um assassinato brutal. Há um suspeito óbvio, mas será o culpado? Haverá aqui mão do regime? Como se termina este puzzle?

Esta foi a primeira obra que li de Mario Vargas Llosa e como outra coisa não seria de esperar, é evidente que estamos perante uma obra de alguém que sabe escrever, ou não fosse o autor um galardoado com o Prémio Nobel da Literatura (2010). Ainda assim, não posso esconder que se trata de um romance com um enredo muito banal, muito desprovido de conteúdo e de interesse.

Na contracapa da edição que li diz-se que é um romance sobre o amor e o erotismo. É verdade, mas na minha opinião fá-lo algumas vezes de forma despropositada e cheia de lugares-comuns. Segundo a critica esta não é uma das obras mais aclamadas do autor, pelo que lhe darei o benefício da dúvida. Tem direito a uma segunda oportunidade...

Págs. 314
Ref. ISBN: 978-989-722-288-7
Editora: Quetzal