segunda-feira, 27 de julho de 2015

O meu programa de Governo - José Gomes Ferreira

É preciso ter estômago para se conseguir ler esta obra até ao fim. Desenganem-se os que pensarem que este é apenas um livro de conversa fiada. Nada disso! Quem já ouviu falar José Gomes Ferreira sabe que aqui encontra um livro cheio de seriedade e frontalidade. Este sim é um verdadeiro programa de governo.

Sobre José Gomes Ferreira há muito a dizer. Gosto do seu trabalho enquanto jornalista e comentador. Tenho-o como boa pessoa, embora não o conheça pessoalmente, considero-o coerente, justo, frontal e corajoso. O episódio (lembrado no livro) com o Ministro Teixeira dos Santos é um excelente exemplo destes adjetivos, quando formulou a seguinte observação: "sendo o problema do nosso país o excesso de dívida, o senhor ministro das Finanças parece aquele adicto que, na manhã seguinte ao abuso de certas substâncias, está cheio de dores e, para as aliviar, procura tomar ainda mais substâncias prejudiciais à saúde!". Fantástico, parabéns pela sua coragem, diria eu.

É essencial fazer o enquadramento da obra: foi terminada em 10 Maio de 2013. Acho impressionante que apesar de terminar a sua leitura mais de dois anos depois, esta mantém-se bem atual. Dois anos de facto pode não parecer muito, mas nos temas abordados e da forma como as coisas tem acontecido no nosso país, dois anos poderia ser o suficiente para tudo estar desatualizado. É que esta não é uma abordagem superficial aos temas, é uma análise concisa do problema e das possíveis soluções. Em alguns casos, como o do BES, verificou-se que infelizmente o autor de certa forma até conseguir prever o pior.

Claro que como qualquer humano também erra e o futuro já nos mostrou que quando dizia "todo o dinheiro que os cidadãos portugueses e estrangeiros têm nos bancos portugueses está seguro", afinal não era bem assim!!

Nunca neste livro se envereda pelo caminho mais fácil, tantas vezes usado, de dizer que a classe política é toda igual, corrupta e que todos os partidos são prejudiciais.

Gostei imenso de ler este livro e apesar do tempo que demorei, por motivos alheios à obra, nunca me senti entediado ou com vontade de o largar, como não poucas vezes acontece com obras deste género.

É um livro cheio de ideias e de frases/pensamentos para mais tarde recordar, pelo que não posso deixar de transcrever aqui duas ou três ideias com as quais especialmente me identifiquei:

- Segurança Social (ADSE vs Privado):
"Os contribuintes portugueses que trabalham no sector privado, os mesmos contribuintes que já pagam 11 por cento sobre o seu salário, para o seu próprio sistema de segurança social (acrescidos de 23,73 por cento sobre o mesmo salário, pagos pelo patrão), têm de pagar cada vez mais IRS, também para ajudar o Estado a pagar as reformas da maior parte dos funcionários públicos e de políticos que entretanto requereram pensões (com menos anos de descontos que outros funcionários públicos e muito menos que os trabalhadores do regime privado).

- Decisões/juízes do Tribunal Constitucional
"A continuarmos por este caminho, um dia alguém se lembrará de entregar a governação do país aos juízes do Tribunal Constitucional. Os mesmos que podem reformar-se aos 40 anos, com apenas 10 anos de serviço, ou aos 42 anos independentemente dos anos de trabalho..."

- Diferenças culturais
"Nos metropolitanos de Nova Iorque, Londres, Paris e das grandes cidades das economias emergentes, vê-se muita gente a ler livros técnicos, direito e biologia, medicina, os clássicos da literatura...
No metro e nos comboios de Lisboa e Porto, lêem-se os jornais desportivos e revistas sobre vidas de famosos que o são apenas por um ou dois verões..."

Págs. 475
Ref. ISBN: 978-972-20-5262-7
Editora: Livros D'Hoje