Ensaio sobre a Cegueira, não me canso de dizer, foi uma das melhores obras que já tive o prazer de ler. Não é portanto de estranhar que tivesse bastante vontade de ler o outro ensaio de José Saramago. Ensaio sobre a Lucidez.
Quando iniciei a sua leitura da obra, não fazia ideia que a acção se passava quatro anos após a cegueira branca que assolou uma nação. Agora, o fenómeno é outro. Na capital deste país é dia de eleições autárquicas. A manhã está chuvosa e a população tende em não comparecer diante das urnas. Tocam alarmes, ninguém percebe o que se passa e tudo indicia elevados índices de abstenção. Porém, ao final do dia, quando está quase a terminar o tempo, milhares de pessoas formam filas enormes para votar. Resultado: quase setenta por cento de votos em branco. Na semana seguinte repete-se o processo. Novas eleições, nova oportunidade de manifestar a intenção de voto. Resultado: quase oitenta por cento de votos em branco.
Mas o que se passou? Porque é que isto aconteceu? Porquê apenas na capital? Terão os políticos perdido a credibilidade? Será isto a democracia? Quem consertou este movimento?
Os partidos da esquerda, do centro e da direita tentam encontrar um motivo. O governo sabe que caso não o encontre, terá de arranjar uma justificação, custe o que custar. A culpa não pode morrer solteira e o governo da nação é que não pode sair prejudicado.
Polícia, governo e outras autoridades abandonam a cidade e deixam os cidadãos entregues a si próprios. É montado um cerco em todas as entradas/saídas. Ninguém tem permissão para passar até que a verdade seja descoberta.
Através de uma carta enviada para as mais altas patentes da nação, é levantada a hipótese de que o branco dos votos possa estar relacionado com o branco da cegueira anterior. É tempo da entrada em cena de algumas personagens já bem conhecidas do Ensaio sobre a Cegueira.
Subjacente ao romance está uma dura crítica por parte do autor a todo o poder político, ao poder instalado, aos que não vêm meios para atingir os fins. Apesar de não ter sido escrito há muitos anos (o lançamento foi em 2004), a verdade é que é uma trama que continua extremamente actual. Várias vezes dei por mim a pensar o quão bem se enquadra na crise que o país atravessa.
Demorei bastante mais tempo do que seria desejável para ler este livro, ainda assim, nunca perdi a vontade de o ler e gostei bastante.
Com José Saramago, fica o encontro marcado em data incerta, no Memorial do Convento.
4 comentários:
De todos os livros que li de Saramago, melhor só o Memorial do Convento (não li Ensaio Sobre a Cegueira)
Na minha opinião Saramago tem essa caraterística que falou, os seus livros, mesmo os que foram escritos há 30 nos continuam muito atuais. Essa é sem dúvida uma das características dos grandes escritores.
Deixo aqui o link com a sugestão que fiz do Ensaio Sobre a Lucidez:
http://sugestaodeleitura.blogspot.pt/2012/12/ensaio-sobre-lucidez-jose-saramago.html
Obrigado pela partilha do link. Gostei da sua opinião. Acho que estamos na mesma sintonia.
Adoro Saramago!
Ainda não tive oportunidade de ler este, embora o Ensaio Sobre a Cegueira também seja dos meus livros preferidos. Gosto da forma como o autor levanta questões tão pertinentes de forma tão subtil, sejam morais, políticas, éticas, etc.
Boas leituras!
Saramago é de facto uma surpresa agradável para quem não conhece ou para quem faz juizos antecipados.
Já li obras e adorei, mas também já li que detestei.
Enfim, um autor para ir descobrindo cada vez mais e melhor.
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