domingo, 10 de agosto de 2025

Mrs. Dalloway - Virginia Woolf

Recentemente, fui surpreendido por uma mini-série da Netflix intitulada Adolescência. Para além da atualidade e pertinência do tema, um dos aspetos mais notáveis foi a opção estética de filmar cada episódio em plano único, sem cortes aparentes — um exercício notável de precisão técnica e de continuidade narrativa.

Esta estratégia visual encontra um interessante paralelo em Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, romance que se desenvolve ao longo de um único dia e que, tal como na mini-série, privilegia a sensação de continuidade. Woolf constrói um “plano-sequência” literário, no qual os pensamentos, perceções e memórias das personagens fluem sem interrupções, dissolvendo as fronteiras entre presente e passado e criando uma experiência de leitura imersiva e orgânica.

Mrs Dalloway, de Virginia Woolf, é assim uma obra-prima do modernismo literário, publicada em 1925, que acompanha um único dia na vida de Clarissa Dalloway, enquanto ela prepara uma recepção, para uma festa, na sua casa em Londres. Mais do que relatar eventos, o romance mergulha na corrente de consciência das personagens, explorando memórias, desejos, arrependimentos e a inevitável passagem do tempo.

A narrativa alterna fluidamente entre as perspectivas de Clarissa e outras figuras que cruzam o seu caminho, como Septimus Warren Smith, um veterano de guerra traumatizado. Esta estrutura fragmentada e a técnica do fluxo de consciência permitem a Woolf dissolver as barreiras entre passado e presente, realidade e pensamento, criando uma experiência literária quase cinematográfica, mas profundamente introspectiva.

O contraste entre Clarissa, imersa nas convenções sociais e na busca por harmonia, e Septimus, consumido pelo sofrimento e pela alienação, funciona como um comentário poderoso sobre a superficialidade das aparências e o silêncio que envolve a dor mental. Woolf expõe assim, de forma subtil mas incisiva, as limitações da sociedade inglesa do pós-Primeira Guerra Mundial, sobretudo na forma como lida com a saúde mental e o papel da mulher.

"Tenho em mim, pensou, parado ao lado do marco do correio, algo que se podia agora dissolver em lágrimas." 

O estilo de Woolf, com frases longas e ritmadas, imita o fluxo natural do pensamento, exigindo do leitor atenção e entrega. Cada detalhe sensorial — o som de Big Ben, o aroma das flores, a luz que se move pela cidade — adquire um peso simbólico, ligando o efémero ao eterno. A leitura não é linear nem apressada: é uma imersão lenta e profunda no tecido da consciência. Talvez por este motivo, a determinada altura, tenha tido alguma dificuldade em manter o foco.

Mrs Dalloway mantém-se, quase um século depois, uma leitura obrigatória, tanto pelo seu valor estético como pela sua relevância social. Já tinha este livro à bastante tempo e como o prometido é devido, após a leitura de Jogos de Raiva, não dava para adiar mais. Gostei, porém não seria honesto se não dissesse que por vezes gostava de um pouco mais de ação.

Por último, e porque julgo ser mais elementar justiça, gostaria de manifestar o meu apreço pelo bom gosto das ilustrações/design gráfico desta edição. Na minha opinião, transforma este livro num dos mais bonitos que já vi.

Págs. 208
Ref. ISBN: 978-989-724-611-1

terça-feira, 29 de julho de 2025

Jogos de Raiva - Rodrigo Guedes de Carvalho

Jogos de Raiva, de Rodrigo Guedes de Carvalho, apresenta-se como uma narrativa fragmentada que explora de forma incisiva o impacto da tecnologia, dos dilemas pessoais e sociais e das relações familiares na vida moderna. Ao longo das páginas, o autor alterna entre momentos de grande tensão e pausas reflexivas, criando um ritmo que prende o leitor e o obriga a mergulhar na intimidade das personagens. A acutilante forma como cada fragmento se encaixa, à semelhança de pequenos mosaicos, convida o leitor a montar uma história que só se revela na sua totalidade no final.

A trama gira em torno da família Sereno — um casal, três filhos e uma neta — mas também inclui figuras como um casal amigo e o xerife Sousa. Cada um deles oferece uma janela para uma teia de breves memórias, tensões e inseguranças que se reflectem no presente, sublinhando temas como a influência das redes sociais, a fragilidade da saúde mental, o papel da arte e as ambiguidades da medicina contemporânea. O livro não se limita a contar histórias individuais: ele constrói um retrato colectivo de uma sociedade em que a comunicação se tornou simultaneamente instantânea e superficial, e onde a empatia parece ameaçada por uma constante pressa emocional.

O autor demonstra mestria ao gerir a fragmentação narrativa: os diferentes episódios apresentam-se como retalhos aparentemente independentes, mas são unidos por fios emocionais e temáticos que se densificam até culminar numa coesão surpreendente. Esta técnica, longe de ser mero artifício estilístico, potencia a tensão narrativa e permite que o leitor vá descobrindo, quase em segredo, as motivações ocultas das personagens. A sobriedade da escrita, aliada à precisão das escolhas estilísticas, reforça o sentido de urgência e relevância.

Jogos de Raiva confirma Rodrigo Guedes de Carvalho como uma voz literária singular, que ultrapassa o estatuto de jornalista e se assume como narrador atento às inquietações da época. É um romance que convida à releitura, pois cada nova passagem revela detalhes antes despercebidos, e cuja força reside na capacidade de expor as fragilidades humanas sem cair no sentimentalismo fácil. É uma leitura rica, contemporânea e profunda — que estimula tanto a reflexão quanto o reconhecimento dos seus ecos na nossa própria realidade quotidiana.

Nesta obra é por vezes mencionada Mrs. Dalloway de Virgínia Woolf, a qual já tenho para ler há algum tempo! Está decidido, será a próxima recensão. 

RGC, até breve!

Págs. 439
Ref. ISBN: 978-972-20-6504-7

sábado, 5 de julho de 2025

Mil Sóis Resplandescentes - Khaled Hosseini

Mil Sóis Resplandecentes é um romance de Khaled Hosseini que retrata a vida de duas mulheres afegãs, Mariam e Laila, cujos destinos se entrelaçam num período de grande instabilidade política e social no Afeganistão. Ao longo de três décadas, o leitor acompanha não só a transformação do país — das invasões soviéticas ao regime talibã — mas também a luta silenciosa e persistente destas personagens pela sobrevivência, dignidade e amor.

O que à primeira vista poderia ser apenas uma narrativa sobre a opressão feminina revela-se uma história profundamente humana sobre resiliência, amizade e sacrifício. Hosseini constrói personagens complexas e verosímeis, cujas emoções e dilemas ecoam muito para além do contexto geográfico e cultural, convidando o leitor à empatia e à reflexão.

A relação entre Mariam e Laila, inicialmente marcada por desconfiança, evolui para uma ligação de afeto e solidariedade que se torna a âncora emocional da obra. É nesse vínculo que reside a maior força do romance: mostrar que, mesmo em contextos de extrema violência e injustiça, o espírito humano é capaz de encontrar coragem e esperança.

Gostei particularmente da forma como Hosseini conjuga a beleza poética da sua escrita com a dureza dos acontecimentos narrados, criando um equilíbrio que torna a leitura intensa e marcante. Mil Sóis Resplandecentes é mais do que a história de duas mulheres — é um retrato comovente da capacidade humana de amar e resistir. Ler Hosseini é abrir uma janela para um mundo distante e, ao mesmo tempo, reconhecer nele emoções universais.

Após ter lido O menino de Cabul, não podia esperar menos destes Mil Sóis Resplandecentes. É um livro fantástico que vale muito a pena ser lido.


Págs. 336

Ref. ISBN: 972-972-233-908-7

Editora: Editorial Presença

sábado, 14 de junho de 2025

O Mandarim - Eça de Queirós

Publicado em 1880, O Mandarim é uma novela de Eça de Queirós que combina fantasia, ironia e crítica moral. A narrativa acompanha Teodoro, um modesto funcionário público de Lisboa, que recebe a estranha tentação de matar, à distância e sem consequências visíveis, um mandarim chinês riquíssimo, herdando assim a sua fortuna. A escolha feita pelo protagonista abre caminho a uma reflexão sobre a cobiça, a consciência e a inevitável culpa.

O que inicialmente parece um simples conto fantástico revela-se uma sátira mordaz ao materialismo e à fraqueza moral humana. Eça constrói uma história curta, mas repleta de simbolismo, onde o realismo da sociedade lisboeta se mistura com elementos de fantasia, criando um cenário propício à introspeção. O tom irónico e o estilo elegante tornam a leitura envolvente, mesmo quando o enredo aponta para questões desconfortáveis.

A jornada de Teodoro, entre o luxo conquistado e o peso do remorso, mostra como a ambição, quando não moderada por princípios éticos, conduz à insatisfação e à ruína interior. É uma obra que, embora enraizada no século XIX, continua a interpelar o leitor moderno sobre os limites da consciência e as tentações que podem corromper a alma.

Gostei particularmente da forma como Eça equilibra humor e crítica, mantendo o texto leve, mas cheio de significado. O Mandarim é mais do que uma simples novela moral: é um convite à reflexão sobre as escolhas que fazemos e sobre o preço — visível ou não — que podemos pagar por elas. Ler Eça é um convite a viajar, é mergulhar no poço de cultura de alguém que, apesar de ter vivido no século XIX, tinha imenso mundo para partilhar.

Págs. 96
Ref. ISBN: 978-989-554-749-4
Editora: Diário de Notícias

quarta-feira, 31 de julho de 2024

A Quinta dos Animais - George Orwell

Publicado em 1945, Animal Farm é uma fábula política que utiliza animais de uma quinta para satirizar os mecanismos de poder e a corrupção ideológica. A história começa com a revolta dos animais contra o dono humano, motivada pelo desejo de liberdade e igualdade. No entanto, à medida que os porcos assumem o comando, a utopia inicial degrada-se e a nova liderança acaba por reproduzir — e até superar — as injustiças do regime anterior.

O que ao início parece ser apenas uma fábula, revela-se afinal uma sátira intemporal e cheia de significado. Orwell combina simplicidade narrativa com forte simbolismo, tornando o livro acessível mas profundamente crítico. A clareza do enredo esconde camadas de significado que remetem para eventos históricos concretos, nomeadamente a Revolução Russa e a ascensão do estalinismo, mas também para qualquer sistema em que a concentração de poder leve à opressão.

A ironia final — com os porcos indistinguíveis dos humanos — resume a mensagem central: quando a vigilância e a memória se perdem, os ideais que motivaram uma mudança podem ser subvertidos até se tornarem irreconhecíveis. Mais do que um conto moral, Animal Farm é um alerta duradouro sobre a fragilidade da liberdade e a facilidade com que slogans podem substituir a verdade.

Gostei imenso desta obra. Depois de a ler, várias são as analogias, que vou fazendo, com a realidade. A quinta dos animais, mais do que um livro é uma oportunidade de reflexão. Deveria ser literatura obrigatória para todos aqueles que ocupam lugares políticos ou de chefia. 

Para breve, 1984 do mesmo autor.

Págs. 160
Ref. ISBN: 978-972-608-197-5 
Editora: Antígona

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Manhattan Transfer - John dos Passos

Quando lemos um livro, há sempre algo que fica, há sempre um sumo que nos deixa recordação na boca.

Diz-se que Manhattan Transfer é uma obra de referência do romance do início do século XX. John Dos Passos constrói a narrativa como um mosaico de pequenas histórias, cruzando personagens de diferentes origens sociais, cujas vidas se tocam ou desencontram na cidade. A escrita é fragmentada, quase cinematográfica, alternando diálogos rápidos, descrições visuais e mudanças súbitas de perspetiva, o que transmite o ritmo frenético e desigual da metrópole.

Mais do que seguir um enredo linear, o romance capta a atmosfera urbana e as tensões de uma sociedade em transformação — o sonho americano, as desigualdades, a ambição, a solidão. É uma obra que combina realismo e modernismo, e que mostra Nova Iorque como um espaço de oportunidades e desencantos, ao mesmo tempo fascinante e impiedoso.

Por algumas vezes fui transportado para a obra Berlim Alexander-Platz de Alfred Döblin, talvez pela época e pelo ambiente citadino.
Não posso dizer que morri de amores por este livro, para o qual tinha grande expectativa, porém reconheço mérito na escrita, essencialmente no poder descritivo (no que respeita ao contexto sociocultural).

Págs. 416
Ref. ISBN: 978-972-237-348-7 

domingo, 12 de setembro de 2021

O elogio da sede - José Tolentino Mendonça

Algo mais espiritual, foi o que procurei ao escolher uma obra de José Tolentino de Mendonça, o padre madeirense apontado por alguns como um possível futuro papa. Não sabemos se tal poderá vir ou não a acontecer, mas é de facto alguém que pertence a uma nova vaga da Igreja, em consonância com o Papa Francisco, que tende a aproximar esta instituição à realidade dos nossos dias. Já tinha visto algumas entrevistas suas das quais gostei particularmente, porém nunca tinha lido nada seu, ainda que a vontade já existisse há algum tempo.

Por altura da Quaresma, a Cúria Romana promove a a realização de exercícios espirituais com o mote de refletir sobre a vida e o mundo, o presente e o futuro. 
O elogio da sede é uma compilação de reflexões, do ano em que estes exercícios foram dirigidos por José Tolentino Mendonça, por escolha de Sua Santidade, tendo estes textos servido de guião.

Mais do que um compendio de reflexões da Igreja sobre o mundo ou do que uma mensagem de esperança numa Igreja renovada, este livro fala-nos de sede, de uma sede espiritual que temos de combater para alimentar, pois apenas bebendo a podemos saciar e apenas saciando alimentamos a sua existência.

Este caminho é feito através da análise de algumas citações de ilustres conhecidos (Clarice Lispector, Eduardo Galeano, Cervantes, Fernando Pessoa, Santo Agostinho e muitos outros) que permitem fazer analogias com a mensagem que  Tolentino Mendonça quer transmitir.

Vivemos uma vida virada para o consumismo. Estamos sempre prontos para olhar para o nosso umbigo e satisfazer o desejo do imediato, sem que com isso nos apercebamos que é uma satisfação efémera e que normalmente leva à frustração.

Este é um livro para crentes e para não crentes, para pessoas de mente aberta. O excerto que publico a seguir resume um pouco deste livro, que teve o dom de me abanar e fazer refletir sobre como olhar para esta sede de várias perspetivas. 

"Jesus pede: «Dá-me de beber.» A sua sede não se materializa na água, porque não é de água a sua sede. É uma sede maior. É a sede de tocar as nossas sedes, de contactar com os nossos desertos, com as nossas feridas. É a sede dessa parte significativa de nós mesmos que fica tão frequentemente adiada, abandonada à solidão. É a sede dessa porção de nós (porção suspensa, omitida, calada) para a qual não encontramos interlocutor."

Págs. 166
Ref. ISBN: 978-989-722-443-0 

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O Pianista de Hotel - Rodrigo Guedes de Carvalho

Rodrigo Guedes de Carvalho é escritor, já tinha ouvido dizer, agora posso afirmar. Este pianista de hotel é todo ele música e que bela música!

O pianista de hotel é um livro feito de camadas que se interligam e que prendem o leitor do início ao fim. Este é para mim o ponto forte deste livro, as suas várias camadas (capítulos) genialmente estruturadas, através das quais somos transportados, terminando sempre em grande suspense. Assim, temos várias frentes em aberto, nas quais queremos estar e por isso mesmo deixamo-nos conduzir ao som desta música. Na verdade, é indiferente saber qual a camada que vai ter continuação a seguir, pois queremos segui-las sem preferência. Que é isto senão mestria!

A forma como as personagens nos são apresentadas é outro ponto forte. São pessoas comuns, como qualquer um de nós, carregadas de histórias de vida com as quais nos identificamos de uma forma ou de outra. O caminho escolhido nunca é o de uma descrição direta. Há um leve levantar do pano no decorrer dos acontecimentos, permitindo a sua apresentação. Uma curiosidade, todas as personagens são apresentadas com dois nomes Maria Luísa, Luís Gustavo, Saul Samuel, Maria Amélia, etc., etc.

Nesta música, com muitas notas rápidas e poucas pausas, são abordados temas tão comuns quanto atuais, a violência doméstica, os casos de violação, a homossexualidade, o desgaste da vida conjugal, a solidão ou a insatisfação laboral.

Em conversa na Feira do Livro, tive oportunidade de perguntar ao autor sobre aquilo que para mim se tornou claro logo nas primeiras páginas, a influência de António Lobo Antunes. Confirmou. E que bela influência! 

Sobre o pianista de hotel propriamente dito, passei algum tempo à sua espera, porém aparece quando tem de aparecer e a tempo de ser fulcral. 

“… se este mesmíssimo gajo estivesse a tocar as mesmíssimas coisas num palco com bilhetes à venda e mais não sei o quê, e promoções nas televisões e mais os críticos e mais os gajos da rádio a dizerem que ele era do catano, estes mesmos atrasados mentais que estiveram ainda agora aqui, a cagarem para ele, iam lá bater-lhe palmas e recomendavam aos amigos.”

Há tantos pianistas de hotel nesta vida….

P.S: Não há-de faltar muito tempo para voltar às letras autor.


Págs. 468
Ref. ISBN: 978-972-20-6270-1 
Editora: Publicações Dom Quixote 

domingo, 1 de agosto de 2021

A Rapariga Que Roubava Livros - Markus Zusak

Não me lembro de já ter lido um livro em que o narrador é a morte. Sim, a morte! À primeira vista pode parecer estranho, mórbido ou até talvez descabido, mas esta morte que aqui se apresenta faz um seu trabalho com uma certa doçura, se assim o posso chamar, com uma certa sensatez e serenidade.

A rapariga, a rapariga que roubava livros é Liesel Meminger. Uma criança alemã que cedo vê o irmão morrer com frio, na viagem em que a mãe os ia entregar para adoção. A família adotiva vive na Rua Himmel, nos subúrbios de Munique e desengane-se quem pensar que a adotou por ter posses, ou por poder proporcionar melhores condições de vida. Nada disso. Trata-se de uma família extremamente pobre, que vive com bastantes dificuldades. Tempos de fome, tempos de guerra.

A mãe adotiva tem um ar frio, distante e um pouco rezingona. Hans Hubermann, o pai é o oposto, é a sua tábua de salvação. Um pintor acordeonista meigo e atencioso. Foi ele que ensinou Liesel a ler o seu primeiro livro roubado.

O cenário é o da segunda guerra mundial, de uma alemanha nazi, onde os judeus são una raça a exterminar. Os bombardeamentos são constantes. A insegurança é muita. Na generalidade, as condições de vida são sofríveis, resta o sonho de que tudo passe depressa e que se possível não deixe rasto.

Max é um judeu que inesperadamente veio pedir auxilio, diga-se abrigo e esconderijo. Escondeu-se na cave dos Hubermann e foi aí que escreveu e ilustrou um livro, sobre as páginas de Mein Kampf, utilizando as tintas do pintor Hans.

Há ainda uma mulher, com outro estatuto que convidou a rapariga para conhecer a sua biblioteca, enquanto na rua, os nazis faziam fogueiras com livros que eram impróprios de serem lidos.

Numa época em que há sérios problemas de expressão, um livro pode ser uma porta aberta para o sonho, um bilhete de ida para uma viagem que permita tirar os pés do chão sem levantar voo. 

Esta é uma história de amor, uma lição de vida e um ensinamento de tempos que não podemos esquecer para que se não voltem a repetir.


Págs. 462

Ref. ISBN: 978-972-23-3907-0

Editorial Presença

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Cem Anos de Solidão - Gabriel Garcia Márquez

Tenho alguma, bastante, dificuldade em escrever sobre este livro. Depois de ter lido e gostado muito, mesmo muito de O amor nos tempos de cólera, as expectativas estavam muito altas. Mas, começando pelo fim, as minhas expectativas saíram goradas. Sei que se trata de uma das obras mais traduzidas de sempre, mas não faria sentido escrever a minha opinião se a mesma não fosse sincera.

Cem anos de solidão tem momentos muito bem desenhados, em que o refinado sentido de humor de Garcia Márquez se faz sentir. As várias gerações da família Buendía, com origem em  José Arcadio Buendía e sua esposa, Úrsula Iguarán contam aventuras e desventuras, delírios e alucinações desta família. Tudo se passa em Macondo, uma aldeia, mais tarde vila e até mesmo cidade, sem que nunca seja desvendada a sua localização exata. Adivinha-se no entanto que seja algures na América Latina, num lugar remoto, longe da civilização.

Durante cem anos vamos conhecendo os descendentes de José Arcadio Buendía e algo que todos à sua maneira têm em comum, a incapacidade de fugirem à solidão. A forma como vão morrendo é sempre inesperada, mesmo para as mentes mais férteis.

Como um jogador de futebol, conhecido por ser um astro da bola, mas que se demora a impor no clube atual, de quem os adeptos apenas vão vendo alguns rasgos de genialidade sem passar daí, assim senti este livro. Tem excertos geniais, mas por vezes é demasiado repetitivo e até mesmo enfadonho. Ainda bem que li O amor nos tempos de cólera antes, pois assim decididamente hei-de voltar ao autor.

Págs. 384
Ref. ISBN: 978-972-200-031-4 
Editora: Publicações Dom Quixote