quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Memórias de Adriano - Marguerite Yourcenar

Memórias de Adriano é uma obra escrita pela belga Marguerite Yourcenar e é uma suposta autobiografia sobre a vida e morte do imperador romano Adriano. Estas memórias são escritas sob a forma de uma carta ao seu filho adotivo de 17 anos, futuro imperador Marco Aurélio.

Memórias de Adriano é seguramente o livro mais difícil que li até hoje. É inegável que se trata de uma obra prima de literatura, a obra de uma vida. Qualquer escritor gostaria de um dia conseguir escrever um livro assim. Ainda assim, não é um tipo de obra que prende o leitor com vontade de saber o que vem a seguir. Nada disso! Trata-se antes de uma leitura que por ser tão rica e densa por vezes se torna cansativa, tornando necessário intercalar com outras obras de digestão mais fácil. Platão, no primeiro registo sobre o conceito de belo que há memória disse: "o belo é difícil". Penso que é um pouco este o pensamento que fica implícito quando entramos nesta narrativa complicada e susceptível de muitas interpretações.

Marguerite Yourcenar escolheu Adriano, para tema deste romance, por ter vivido numa época intercalar em que já não se acreditava nos deuses romanos, no entanto o Cristianismo ainda não se tinha firmado, o que lhe despertou curiosidade porque ela própria viveu uma época semelhante na Europa do pós-guerra, deixando-se talvez inspirar por Flaubert que sobre o mesmo assunto disse: "Não existindo já os deuses e não existindo ainda Cristo, houve de Cícero a Marco Aurélio, um momento único em que só existiu o homem" .

A carta é escrita quando Adriano sente que a doença o está a levar apressadamente ao fim dos seus dias ("Aceito com tranquilidade o facto de estar doente"), sentindo por isso necessidade de escrever "o estado da nação" numa passagem de testemunho. Com este documento pretende revelar de forma transparente aquilo que foi a sua vida de imperador, ao contrário do que já havia sido escrito na sua biografia oficial. Desta forma fica demonstrada a preocupação em mostrar aquilo que verdadeiramente foi e fez, em vez de se deixar ficar pela imagem passada pelos historiadores, numa clara critica aos seus antecessores que deixaram que assim acontecesse ("Dizer que os meus dias estão contados não significa nada").

Ao longo da obra, a autora mostra-nos particularidades muito interessantes de Adriano. Ressalvo o facto de ter como hobbie a leitura de relatórios de polícia, pois daí conseguia retirar informação sobre a mente humana. Casou-se com Sabina, sobrinha-neta de Trajano (o seu antecessor), mas não se casou pela beleza, pois esta foi insuficiente para que não se arrependesse depressa. Ainda assim, sentia por ela um amor platónico. Sobre o amor tem esta confissão, da qual gostei particularmente: "E confesso que a razão fica confundida perante o prodígio do amor, da estranha obsessão que faz que esta mesma carne, que tão-pouco nos preocupa quando compõe o nosso próprio corpo, limitando-nos a lavá-la, a alimentá-la e, se possível, a impedi-la de sofrer, possa inspirar-nos uma tal paixão de carícias simplesmente porque é animada por uma individualidade diferente da nossa e porque representa certos lineamentos de beleza sobre os quais, aliás, os melhores juízes não estão de acordo".
Sobre a guerra, está convencido que esta não é mais do que uma fonte de despesa, desordem e desobediência dos seus. Por isto opta por não seguir a mesma política de Trajano, optando por uma postura mais defensiva do território, ao invés de o tentar aumentar.

Uma reconstituição deste género, escrita na primeira pessoa, sendo que essa pessoa viveu no séc. II, é por si só meritória do nosso interesse. Não posso dizer que foi um livro que me apaixonou, mas é de certeza uma obra que jamais irei esquecer e que me abriu os horizontes para algo que até então nunca tinha visto.

Págs. 312
Ref. ISBN: 978-972-568-685-0
Editora: Uisseia

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