segunda-feira, 30 de agosto de 2021

O pianista de hotel - Rodrigo Guedes de Carvalho

Rodrigo Guedes de Carvalho é escritor, já tinha ouvido dizer, agora posso afirmar. Este pianista de hotel é todo ele música e que bela música!

O pianista de hotel é um livro feito de camadas que se interligam e que prendem o leitor do início ao fim. Este é para mim o ponto forte deste livro, as suas várias camadas (capítulos) genialmente estruturadas, através das quais somos transportados, terminando sempre em grande suspense. Assim, temos várias frentes em aberto, nas quais queremos estar e por isso mesmo deixamo-nos conduzir ao som desta música. Na verdade, é indiferente saber qual a camada que vai ter continuação a seguir, pois queremos segui-las sem preferência. Que é isto senão mestria!

A forma como as personagens nos são apresentadas é outro ponto forte. São pessoas comuns, como qualquer um de nós, carregadas de histórias de vida com as quais nos identificamos de uma forma ou de outra. O caminho escolhido nunca é o de uma descrição direta. Há um leve levantar do pano no decorrer dos acontecimentos, permitindo a sua apresentação. Uma curiosidade, todas as personagens são apresentadas com dois nomes Maria Luísa, Luís Gustavo, Saul Samuel, Maria Amélia, etc., etc.

Nesta música, com muitas notas rápidas e poucas pausas, são abordados temas tão comuns quanto atuais, a violência doméstica, os casos de violação, a homossexualidade, o desgaste da vida conjugal, a solidão ou a insatisfação laboral.

Em conversa na Feira do Livro, tive oportunidade de perguntar ao autor sobre aquilo que para mim se tornou claro logo nas primeiras páginas, a influência de António Lobo Antunes. Confirmou. E que bela influência! 

Sobre o pianista de hotel propriamente dito, passei algum tempo à sua espera, porém aparece quando tem de aparecer e a tempo de ser fulcral. 

“… se este mesmíssimo gajo estivesse a tocar as mesmíssimas coisas num palco com bilhetes à venda e mais não sei o quê, e promoções nas televisões e mais os críticos e mais os gajos da rádio a dizerem que ele era do catano, estes mesmos atrasados mentais que estiveram ainda agora aqui, a cagarem para ele, iam lá bater-lhe palmas e recomendavam aos amigos.”

Há tantos pianistas de hotel nesta vida….

P.S: Não há-de faltar muito tempo para voltar às letras autor.


Págs. 468
Ref. ISBN: 978-972-20-6270-1 
Editora: Publicações Dom Quixote 

domingo, 1 de agosto de 2021

A Rapariga Que Roubava Livros - Markus Zusak

Não me lembro de já ter lido um livro em que o narrador é a morte. Sim, a morte! À primeira vista pode parecer estranho, mórbido ou até talvez descabido, mas esta morte que aqui se apresenta faz um seu trabalho com uma certa doçura, se assim o posso chamar, com uma certa sensatez e serenidade.

A rapariga, a rapariga que roubava livros é Liesel Meminger. Uma criança alemã que cedo vê o irmão morrer com frio, na viagem em que a mãe os ia entregar para adoção. A família adotiva vive na Rua Himmel, nos subúrbios de Munique e desengane-se quem pensar que a adotou por ter posses, ou por poder proporcionar melhores condições de vida. Nada disso. Trata-se de uma família extremamente pobre, que vive com bastantes dificuldades. Tempos de fome, tempos de guerra.

A mãe adotiva tem um ar frio, distante e um pouco rezingona. Hans Hubermann, o pai é o oposto, é a sua tábua de salvação. Um pintor acordeonista meigo e atencioso. Foi ele que ensinou Liesel a ler o seu primeiro livro roubado.

O cenário é o da segunda guerra mundial, de uma alemanha nazi, onde os judeus são una raça a exterminar. Os bombardeamentos são constantes. A insegurança é muita. Na generalidade, as condições de vida são sofríveis, resta o sonho de que tudo passe depressa e que se possível não deixe rasto.

Max é um judeu que inesperadamente veio pedir auxilio, diga-se abrigo e esconderijo. Escondeu-se na cave dos Hubermann e foi aí que escreveu e ilustrou um livro, sobre as páginas de Mein Kampf, utilizando as tintas do pintor Hans.

Há ainda uma mulher, com outro estatuto que convidou a rapariga para conhecer a sua biblioteca, enquanto na rua, os nazis faziam fogueiras com livros que eram impróprios de serem lidos.

Numa época em que há sérios problemas de expressão, um livro pode ser uma porta aberta para o sonho, um bilhete de ida para uma viagem que permita tirar os pés do chão sem levantar voo. 

Esta é uma história de amor, uma lição de vida e um ensinamento de tempos que não podemos esquecer para que se não voltem a repetir.


Págs. 462

Ref. ISBN: 978-972-23-3907-0

Editorial Presença